COORDENADOR DO LAB-LD DISCORRE SOBRE A GÊNESE FORMATIVA DO COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO QUE LEVOU À CRIAÇÃO DO LAB-LD NO ÂMBITO DA POLÍCIA CIVIL DO MARANHÃO

GABRIEL CARVALHO E NEVES, Delegado de Polícia Civil do Estado do Maranhão, Coordenador do Laboratório de Tecnologia Contra a Lavagem de Dinheiro da Polícia Civil desde 2016.

 

      A literatura remonta a expressão “lavagem de dinheiro” ao início do século XX, com Al Capone lucrando milhões de dólares com o comércio ilegal de bebidas alcoólicas no estado americano de Chicago e com a exploração da prostituição, de jogos de azar e com o empréstimo de dinheiro a juros.

      Os EUA viviam a “Grande Depressão”. Com o sistema financeiro em crise, muitos pequenos comerciantes encontravam grandes dificuldades em conseguir empréstimos junto aos Bancos para manter seus negócios em funcionamento, recorrendo ao crime organizado para conseguir os valores no mercado negro, sem a burocracia dos Bancos oficiais.

      O dinheiro obtido com as práticas criminosas era então reinvestido nos negócios da organização, gerando ainda mais dinheiro ao crime organizado da época.

      Contudo, como todo esquema criminoso de base financeira, de pouco valia levantar milhões de dólares ilicitamente se não pudessem gastar e ostentar esse capital sem a perseguição dos órgãos policiais.

      Com seus lucrativos negócios sempre na mira da polícia, Al Capone e sua organização passaram a esquematizar uma forma de continuar lucrando com os negócios ilícitos, mas dando uma aparência de licitude aos seus negócios. Nascia ali, a lavagem de dinheiro.

      Al Capone teria constituído por volta do ano de 1920 uma grande rede de empresas, a maioria lavanderias de roupas e restaurantes, com sócios laranjas sem antecedentes criminais, para movimentar todo o dinheiro do crime, a fim de justificar seus ganhos perante as autoridades. Escolheram empresas que atuavam com manuseio de dinheiro em espécie, realizavam transações financeiras sucessivas nas operações comerciais com a mescla de dinheiro limpo com dinheiro sujo, de modo a dificultar o rastreio pela polícia.

      Com o aumento exponencial do quantum movimentado pela organização e já na mira da polícia, houve um aperfeiçoamento das técnicas de lavagem do dinheiro sujo pelo bando de Al Capone: o dinheiro passou a ser enviado a “offshore” situados no exterior, distribuídos em várias contas secretas blindadas pelo sigilo bancário e, posteriormente, era reinjetado na economia estadunidense por meio de empréstimos simulados ou na forma de investimentos aparentemente lícitos. Não havia um controle rigoroso dessas transações. Esse tipo de prática era uma novidade para as autoridades.

      Al Capone foi preso em 1931 e condenado a 11 anos de prisão, mas pela prática do crime de evasão fiscal, já que à época ainda não existia o crime de lavagem de dinheiro.

      Cerca de 40 anos depois, os EUA voltaram a ganhar destaque mundial por conta de um novo escândalo envolvendo esquema de “Money Laudering”. Dessa vez, envolvendo a política.

      O escândalo ficou conhecido como “Caso Watergate” e envolveu o então Presidente Richard Nixon, após a descoberta pelas autoridades de que dinheiro estava sendo enviado para o país vizinho, o México, para depois reingressar no país como investimentos em setores específicos que, por sua vez, financiavam os fundos de campanha do então Presidente.

      O esquema foi descoberto e levou o Presidente Nixon a renunciar à campanha, além de resultar na prisão de pessoas ligadas a ele.

      Novas técnicas investigativas e metodologias foram aperfeiçoadas pelas autoridades públicas e alterações legislativas buscavam flexibilizar as rígidas regras de proteção ao sigilo bancário, mas a lavagem se expandia e alcançava outros nichos criminosos, de todos os cantos do mundo.

      Nas décadas de 1960 e 1970 o mundo via uma multiplicação do consumo de drogas. O tráfico de cocaína e LSD se desenvolveu e os países produtores das matérias-primas dessas drogas ganharam um protagonismo no mundo do crime. O tráfico de drogas e a lavagem de dinheiro estavam a todo vapor.

      O dinheiro do tráfico de drogas corrompia agentes públicos, comprava armas e equipamentos tecnológicos de ponta, veículos possantes e blindados e, por fim, passava a financiar campanhas eleitorais naqueles países.

      O mundo se viu então obrigado a adotar medidas mais eficazes no combate à lavagem de dinheiro. Nesse contexto, em junho de 1980, o Conselho da Europa, que atualmente reúne mais de 47 Estados-membros, incluindo os 27 que formam a União Européia, se reuniu em Estrasburgo, na França, para deliberar que uma ação global de enfrentamento da lavagem de dinheiro era medida que se impunha naquele momento.

      Mas foi em 1988, na cidade de Viena, Áustria, que ocorreu o maior marco histórico na agenda política global no combate à Lavagem de Dinheiro. A Assembleia Geral da ONU realizou a “Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas”, conhecida internacionalmente como Convenção de Viena de 1988.

      O documento pela primeira vez tratou em nível internacional da repressão à lavagem de dinheiro, cujo objetivo principal era privar as organizações criminosas das benesses econômicas proporcionadas pelo narcotráfico, prejudicando a retroalimentação de atividades ilícitas.

      Assim, os Estados-membros se comprometeram a, no âmbito interno de cada país, legislar e promover a efetiva repressão jurídico-penal à lavagem de dinheiro basicamente com: a tipificação da conduta criminosa; o estabelecimento de meios para garantir o confisco de bens e valores originados da lavagem de dinheiro; a promoção da assistência jurídica recíproca entre os países (com vistas à transnacionalidade do delito); a flexibilização das regras de sigilo bancário e fiscal em relação a pessoas físicas e jurídicas investigadas; dentre outras ações.

      O processo de internalização de um tratado internacional no Brasil inicia pela assinatura tratado internacional pelo Presidente da República (ou seu representante) com posterior debate e aprovação pelo Congresso Nacional para só aí retornar ao Presidente da República para aprovação ou veto.

      No Brasil, a Convenção de Viena foi aprovada pelo Congresso Nacional em 14 de junho de 1991 através do Decreto Legislativo nº 162 e promulgada pelo então Presidente Fernando Collor de Melo em 26 de junho de 1991, quando passou a integrar oficialmente nosso ordenamento jurídico.

      Apesar do Brasil ter se obrigado internacional a legislar sobre o enfrentamento à lavagem de dinheiro em 1991, foi somente no ano de 1998 que foi promulgada a Lei 9.613 que dispõe sobre os crimes de “lavagem de dinheiro” no Brasil. Os debates legislativos que originaram a Lei 9.613/1998 tiveram início em 1996 através do PL 2.688.

      Contudo, a Lei 9.613/1998 carecia de mecanismos que pudessem dar maior efetividade às ações de enfrentamento à lavagem de dinheiro no país.

      Dentre as várias medidas de políticas públicas implementadas sucessivamente após a promulgação da Lei 9.613/1998, destaca-se a criação da ENCCLA (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro) no ano de 2003 por iniciativa do Ministério da Justiça.

      A ENCCLA reúne mais de 90 instituições vinculadas aos 3 Poderes (legislativo, executivo e judiciário), das esferas federal, estadual, distrital e municipal além dos Ministérios Públicos, sociedade civil e associações que atuam, direta ou indiretamente, na prevenção e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.

      Anualmente os membros da ENCCLA se reúnem em reunião plenária para debater e traçar metas e desenvolver ações de aperfeiçoamentos das medidas de combate à lavagem de dinheiro e à corrupção. As ações são então aprofundadas ao longo do ano, através de reuniões temáticas.

      Ao longo desses 17 anos, vários foram os resultados alcançados pela ENCCLA, dos quais destacam-se:

  • A criação do Sistema de Movimentação Bancária (SIMBA);
  • A iniciativa de padronização do layoutpara quebra de sigilo bancário e a posterior criação do Cadastro Único de Correntistas do Sistema Financeiro Nacional (CCS);
  • O desenvolvimento do Programa Nacional de Capacitação e Treinamento no Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (PNLD); e
  • A criação da Rede Nacional de Laboratórios contra Lavagem de Dinheiro (Rede-LAB).

      Assim nascia o LAB-LD (Laboratório de Tecnologia Contra a Lavagem de Dinheiro) no país, com a criação de laboratórios para a aplicação de soluções tecnológicas voltadas à análise de grandes volumes de dados e difusão de estudos sobre as melhores práticas investigativas, com a adequação de perfis profissionais.

      O primeiro LAB-LD foi instalado no âmbito do Ministério da Justiça no ano de 2007 e em 2009 iniciou-se a replicação do modelo LAB-LD para outros órgãos, especialmente para as Polícias Civis e Ministérios Públicos estaduais. O conjunto destes Laboratórios forma a Rede-Lab, com capilaridade nacional, hoje presente em todos os estados brasileiros com mais de 50 unidades.

      No âmbito da Polícia Civil do Maranhão, o LAB-LD/PCMA foi inaugurado em 07 de dezembro de 2015, estando em operação há quase 5 anos, com atuação no assessoramento das unidades policiais de todo estado do Maranhão em investigações financeiras dos mais diversos crimes, notadamente crimes de clarinho branco.

      Nesses quase 05 anos de funcionamento, bilhões de reais já foram analisados pela unidade, com auxílio de ferramentas tecnológicas e intercâmbio com outros órgãos e agências.

      E a tendência é aumentar ainda mais esse potencial investigativo voltado à análise financeira, à medida em que experimentamos uma mudança cultural dentro da polícia civil, com o foco voltando cada vez mais à asfixia financeira do crime organizado (especialmente decorrentes da corrupção).

      Essa nova perspectiva chega em boa hora. Os efeitos maléficos dos crimes financeiros, são capazes de abalar toda a economia de uma região.

      A título de exemplo, a lavagem de dinheiro pode interferir diretamente nas relações comerciais de um dado setor. Isso porque o objetivo na lavagem de dinheiro é reinserir um capital de origem ilícita na economia formal com aparência de lícito, sem que haja por parte das empresas constituídas o objetivo de lucro. Ao contrário, muitas vezes o valor dos produtos ou serviços oferecidos por estas empresas usada para lavagem de dinheiro são muito inferiores aos praticados pela concorrência fazendo com que as empresas concorrentes ao longo do tempo fechem as portas. Uma vez monopolizado o mercado, passam a manipular os preços e gerar lucros exorbitantes com a atividade aparentemente “lícita”.

      Outros muitos efeitos nefastos decorrem da lavagem de dinheiro, como a corrupção nos mais diversos setores do Poder Público e a retroalimentação do crime organizado, com aquisição de mais armas e tecnologia e com o uso da violência como forma de assegurar o fluxo de capitais decorrentes das práticas criminosas.

      Diante desse cenário, o sufocamento da capacidade financeira das organizações criminosas desponta como importante estratégia para mitigação das bases de atuação destes grupos criminosos, tendo o LAB-LD papel fundamental no processo de aperfeiçoamento metodológico no tocante ao tema, com atuação não apenas no nível operacional (assessoramento em casos concretos), mas especialmente como unidade de inteligência com produção de conhecimento voltado ao entendimento deste fenômeno criminal, com vistas a buscar tendências, semelhanças e estabelecer estratégias, interpretando a problemática sob uma perspectiva multidisciplinar, com integração de informações de fontes variadas.

      Atuando assim, como unidade produtora de prova e como unidade produtora de conhecimento de inteligência, o LAB-LD tem maiores condições de projetar cenários prospectivos, subsidiando diagnósticos mais amplos para o assessoramento dos tomadores de decisão na criação de políticas públicas voltadas ao fortalecimento do combate ao crime organizado, à lavagem de dinheiro e à corrupção no estado.

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